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Resumen de la Ponencia:
A sociologia brasileira tem sido influenciada, cada vez mais, por demandas de internacionalização e questionada acerca da condição periférica ocupada por essa tradição no meio internacional. Contudo, cabe mencionar que o país sempre conviveu com uma intensa comunicação com os ambientes acadêmicos de outros países. Um exemplo é a realização de doutorados no exterior, que caracteriza boa parte da formação intelectual dos sociólogos brasileiros. Neste paper, analisam-se condicionantes da realização de doutorados no exterior, por sociólogos, entre 1964 e 1985. A partir da análise dos dados quantitativos, extraídos da plataforma Lattes, focados no período de ida ao exterior, país de destino e agência de financiamento, foi possível analisar o perfil e os condicionantes à circulação destes pesquisadores no exterior. A adoção de dados de natureza qualitativa, a partir de 16 entrevistas com sociólogos brasileiros, viabilizou a composição de um quadro mais aprofundado das intencionalidades e percepções que permearam estes processos de fluxo internacional. Até o ano de 1975, antes da criação do I PNPG (Plano Nacional de Pós-Graduação) e do fortalecimento de agências de financiamento de bolsas de estudo internacionais, é possível notar que o número de sociólogos formados no Brasil e no exterior possui patamares similares, o que passa a se modificar após os anos 1980. O fluxo de sociólogos em busca de formação acadêmica, durante o período da ditadura militar como um todo, correu para os países de maior prestígio acadêmico para as ciências sociais brasileiras contemporâneas: Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Alemanha. Contudo a presença do México mostra-se relevante durante os anos 1970 e 1980. Encontram-se evidências razoáveis para creditar à proeminência dos Estados Unidos enquanto principal destino até 1975 ao papel da Fundação Ford como único financiador razoavelmente contínuo, processo que vem a ser substituído pela liderança francesa na segunda fase da ditadura militar.O papel repressor da ditadura militar foi crucial para explicar o fluxo de sociólogos ao exterior durante a primeira metade do regime. Neste período, o papel de bolsas da Fundação Ford foi central, em complemento a outras fontes dispersas de financiamento, dentre as quais pode-se destacar o Ökumenischen Studienwerk da Igreja Luterana Alemã. Por fim, pode-se mencionar o papel de redes de mediadores para a viabilização da circulação internacional durante este período de baixa institucionalização das agências nacionais de fomento à ciência. Esta fase, que vai até o ano de 1975, distingue-se do intervalo seguinte (1976-1985) com a maior institucionalização da Capes e do CNPq, aumento do fomento do governo brasileiro para a capacitação de cientistas no exterior, e diminuição do papel de redes de contatos para acessar meios de circulação
Introducción:
A internacionalização da sociologia brasileira tem sido, cada vez mais, alvo de debate, o qual é, em geral, permeado por questionamentos acerca da condição periférica ocupada por essa tradição no meio internacional. Indicadores diversos são utilizados para destacar a marginalidade do país nos debates globais, como a baixa quantidade de publicações internacionais, dificuldade das/dos autoras/os em serem citados em artigos ou livros estrangeiros, falta de interesse em tensionar pressupostos teóricos de intelectuais do centro, e a tendência a reproduzir reflexões teóricas de acadêmicos consagrados no Norte Global.
Autores como Dwyer (2013) e Scalon e Miskolci (2018), argumentam que o Brasil está longe de ter uma produção verdadeiramente internacionalizada, tendo em vista que a circulação no exterior, de nossas produções sociológicas, estaria ainda circunscrita a se realizar entre países com proximidades do ponto de vista linguístico e geográfico, mais especificamente as nações latino-americanas - o que se enquadraria como uma “internacionalização estreita” (DWYER, 2013). Segundo um survey produzido pela Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) em 2009, a sociologia brasileira se caracterizaria por ter um debate majoritariamente nacional. Na pesquisa, notou-se que em torno de 70% das/dos associadas/dos haviam publicado artigos em revistas do país e 70% publicaram capítulos de livros, ao passo que apenas 25% o fizeram em revistas internacionais, das quais a maior parte eram latino-americanas (DWYER, 2013).
Contudo, observa-se que no decorrer do intervalo entre 2000-2019 houve um considerável aumento em programas de mobilidade internacional nas pós-graduações brasileiras, como a expansão de pós doutorados, que passaram de 125, em 2005, para 252 em 2015, estágios sêniors no exterior, que cresceram de 53, em 2010, para 259 em 2015, sendo acompanhados de um crescimento no número de bolsas sanduíche, que quintuplicou nos últimos 10 anos, tendo saltado de 244, em 2005, para 1156 em 2015 SCALON E MISKOLCI (2018). Além disso, segundo o estudo de Scalon e Miskolci (2018) o número de coautorias na área de Sociologia e Ciência Política aumentou consideravelmente nos últimos 20 anos, cifras que, todavia, mantêm-se consideravelmente abaixo das de países do Norte Global como França, Alemanha e Estados Unidos, e mesmo de nações que possuem níveis de renda semelhantes, ou inferiores, aos nacionais, como China, índica, Russia e África do Sul.
Isto posto, apesar das baixas cifras em se tratando de índices de internacionalização, sabe-se que parcela considerável das/dos cientistas sociais brasileiras/os formados nos últimos 50 anos, realizaram parte de suas formações em universidades estrangeiras, processo que marcou bastante o campo brasileiro nos anos 70, a partir de formas de financiamento internacionais (CANÊDO, 2018) (MICELI; SMITH, 1993). Seria errôneo dizer que a sociologia brasileira não tem mantido uma considerável troca com o ambiente internacional desde o seu processo de profissionalização em solo nacional. Seja no decorrer da fundação de algumas de nossas primeiras instituições, como o programa de ciências sociais da USP, produto de uma missão francesa (PEIXOTO, 2001) (CARDOSO, 1982), seja pelo acesso a fontes de financiamento e construção de instituições por meio da fundação Ford nos anos 70 - ou pelo recente aprofundamento da demanda por publicação em ambientes internacionais - nossa sociologia sempre esteve em constante contato com o meio intelectual estrangeiro e a literatura sobre a história do campo nacional atesta isto (LIEDKE FILHO, 2005; MAIO, 1999; MICELI, 1989).
Este artigo tem o interesse em contribuir com o campo da história das ciências sociais no Brasil a partir de uma visão focada na circulação internacional de sociólogos. Foca-se em um estudo dos elementos concretos que conformaram historicamente a circulação internacional de sociólogas/os e produções intelectuais brasileiras após o início da ditadura militar brasileira. A pretensão aqui é de ao dar sentido aos mecanismos que influenciaram as formas de circulação internacional de sociólogos nacionais, compreender condições que ajudaram a estruturar a posição periférica do Brasil no campo sociológico até a atualidade. Isto posto, toma-se como principal tarefa deste artigo responder a seguinte pergunta: Quais elementos condicionaram a circulação internacional de sociólogas/os brasileiras/os durante a ditadura militar?
METODOLOGIA
Para realizar esta pesquisa, primeiramente, decidiu-se por buscar meios de levantamento de dados que comportassem informações sobre a realização de mestrados e doutorados no exterior feitos por sociólogos brasileiros.
Posto que a pesquisa tem interesse em compor um quadro geral da história de circulação destes intelectuais, tendo como ponto de partida o contexto da ditadura militar, levantaram-se dificuldades acerca da existência de bases de dados que sistematizassem informações desta natureza. Uma primeira possibilidade de inventário desta natureza seria a partir do estabelecimento de contato com agências de financiamento de cientistas brasileiros, como Capes, CNPq e Fundação Ford, contudo, ao fazê-lo, o pesquisador estaria restringindo sua análise apenas àqueles que foram financiados pelas instituições em questão. Mais do que isso, contar com a existência de bases de dados estruturadas por essas instituições para períodos não tão próximos à contemporaneidade seria uma aposta deveras otimista.
Posta esta dificuldade metodológica, partiu-se para a decisão de trabalhar com dados advindos da Plataforma Lattes. Tendo em vista a forte disseminação deste meio na sistematização de currículos no campo científico brasileiro, tomou-se que este seria o melhor veículo para trabalhar com a busca por informações como local de realização de mestrado e doutorado, instituição de vínculo no exterior e agência de financiamento para mobilidade. Certamente é importante mencionar que o conteúdo que alimenta a plataforma é incluído pelos próprios pesquisadores e pode acabar impondo imprecisões de dados, lembrando que a plataforma foi criada a partir dos anos 1990 e muitos cientistas tiveram que consolidar seus currículos de forma retroativa, o que pode incorrer em erros. Contudo, frente as possibilidades exíguas de dados que permitissem uma montagem de um quadro histórico desta natureza, a plataforma lattes mostrou-se como um meio promissor de coleta de informações.
Todavia, os dados da plataforma Lattes não estão sistematizados e disponibilizados para acesso aberto, nem organizados ou classificados sob áreas claramente definidas que permitissem o download direto das informações de interesse deste trabalho. Posto que desejava-se pesquisar especificamente a partir de currículos de sociólogos brasileiros, decidiu-se por buscar algum tipo de mecanismo que ajudasse a definir as fronteiras do campo, apesar destas não serem tão rígidas nem claramente definidas. Uma saída encontrada foi trabalhar com pesquisadores vinculados a programas que são avaliados pela Capes como pertencentes à Área de Sociologia. Isto posto, foi feita uma busca nas bases de dados de acesso público da Plataforma Sucupira, mais especificamente no ambiente virtual “Dados Abertos – Capes”, de informações sistematizadas sobre professores de programas avaliados na área de sociologia. A partir disto foi possível capturar informações organizadas em formato planilha a partir do ano 2000 até o ano de 2019. Tal levantamento viabilizou a montagem de uma lista de pesquisadores brasileiros vinculados a programas de sociologia que mantiveram relação com suas instituições até, ao menos, o ano 2000.
Esta lista de sociólogos de condições à extração de dados de currículos específicos da Plataforma Lattes. A extração foi realizada por meio do download de todos os currículos da lista citada em formato XML, depois vindo a ser processados no software Base-X, proporcionando a montagem de uma base de dados que consolida informações de todos os currículos. Circunscritos apenas aqueles currículos que compõem a análise deste artigo, pesquisadores que realizaram sua formação no exterior até 1985, totalizam-se 273 sociólogos na base de dados. A existência desta fonte permitiu a construção de tabelas e gráficos com a frequência de realização de estudos no exterior durante o período da ditadura militar, assim como uma observação sobre países de destino e fontes de financiamento.
Visando dar lastro qualitativo a análise destas informações a pesquisa trabalhou com entrevistas que foram realizadas no âmbito do projeto “Memória das Ciências Sociais no Brasil” da FGV/CPDOC. Este projeto realizou 96 entrevistas com cientistas sociais brasileiros, e possui as transcrições e vídeos do material gravado, com acesso aberto no site da FGV/CPDOC. Foram analisadas entrevistas de 16 sociólogos entrevistados por esta iniciativa, os quais realizaram alguma parte de sua formação acadêmica no exterior durante o período que vai de 1964 a 1985. São estes: Anete Ivo, Aspásia Camargo, Carlos Benedito Martins, Clarissa Eckert, Dimas Floriani, Edna Castro, Elias Reis, Glaucia Villas Boas, Gláucio Soares, Josefa Cavalcanti, Licia Valladares, Maria Stela Grossi Porto, Paulo Henrique Albuquerque, Renato Ortiz, Silke Weber e Simon Schwartzman.
A partir da análise dos dados quantitativos sobre ano de ida ao exterior, país de destino e agência de financiamento, foi possível construir algumas análises sobre o perfil e os condicionantes à circulação destes pesquisadores no exterior. A adoção de dados de natureza qualitativa, a partir das entrevistas, viabilizou a composição de um quadro mais aprofundado das intencionalidades e percepções que permearam estes processos de fluxo internacional. Os resultados desta investigação são apresentados no tópico a seguir.
Desarrollo:
IAo se observar o perfil da circulação internacional de sociólogos brasileiros desde a segunda metade do século XX até a contemporaneidade, é possível notar a proeminência que a formação acadêmica no exterior passa a ter durante determinados e períodos em se observando a realização de doutorados. Como pode ser verificado, desde o período mais longínquo em que se tem registro na base de dados, até meados de 1979, a realização de doutorados fora do país operou em cifras bastante próximas à formação em instituições brasileiras. Observa-se que o número de sociólogos que iniciaram seus doutorados no Brasil passa a ter um descolamento considerável da curva referente a pós-graduações no exterior a partir dos anos 1980 e passando por um vertiginoso crescimento na década de 1990 que se estabiliza em patamares altos nos anos 2000. Isto posto, pode-se tomar que a geração formada até meados de 1980 possui um claro equilíbrio entre graduados no exterior e no Brasil.
Os dados comparativos de entrada em cursos de doutorado no exterior e no Brasil apontam claramente para uma correspondência entre o fenômeno da circulação internacional e a institucionalização das ciências sociais brasileiras. É fundamental frisar que o ensino superior brasileiro passa por severas mudanças a partir do final dos anos 60 e durante a década de 70. A promulgação do Parecer Sucupira de 1965, fundamentando a natureza do sistema de pós-graduação brasileiro, acompanhado e associado ao acirramento das demandas sociais por aumento de número de vagas no ensino superior, que culminaram nos movimentos pela reforma do sistema durante os anos de 1967 e 1968, foram pontapés importantes para a construção de um consenso social a cerca de maior expansão e institucionalização do ensino superior no país (MARTINS, 2009). Apesar do consenso sobre a necessidade de abarcar a demanda crescente e criar condições para a expansão do sistema, as formas de fazê-lo e as concepções que o perpassavam destoavam consideravelmente, processo que se faz notar pelo intenso debate político ideológico sobre os rumos do ensino superior no final dos anos 60 (BOMENY, 1994; CUNHA, 2007; MARTINS, 2009). Com o endurecimento do regime autoritário pelo AI-5, no ano de 1968, as concepções críticas desta mudança foram suprimidas, introduzindo-se a concepção do regime militar sobre o sistema de educação e ensino superior. Com o interesse da ditadura militar em coibir ações críticas ao governo e em posicionar o país internacionalmente em alinhamento com os Estados Unidos, no cenário da guerra fria, o modelo de ensino superior foi diretamente moldado pelo ideário da doutrina de segurança nacional, a qual, todavia, enxergava algum espaço de relevância às instituições de ciência e ensino superior em sua concepção de desenvolvimento e modernização (FERREIRA JR; BITTAR, 2008; FORJAZ, 1988). Isto permitiu a estruturação da expansão do sistema de ensino superior e seu aprimoramento a partir do governo Geisel, e tem como marco fundamental o Primeiro Plano Nacional de Pós-Graduação (I PNPG) e, além disso, o fortalecimento orçamentário, ainda que paulatinamente, de instituições de fomento à ciência e ao ensino superior como o CNPq e a CAPES (FERREIRA; MOREIRA, 2002; FORJAZ, 1988).
A menção ao papel crescente das instituições de fomento à pós-graduação como CAPES e CNPq e a criação do I PNPG é crucial para que se compreenda o perfil das formas de financiamento internacional para formação de sociólogos no exterior durante a ditadura militar. Primeiramente é possível notar que a curva de entradas em doutorados no Brasil se descola da de doutorados no exterior a partir de 1980 e passa a operar em um processo contínuo de crescimento desde então. Uma primeira explicação a este fato deve-se à questão do número de programas de pós-graduação no Brasil ser consideravelmente pequeno até meados dos anos 70, fazendo com que a proporção daqueles que buscavam a formação no exterior ser em média a mesma daqueles que o faziam em solo nacional. Neste período, os principais programas de pós graduação em áreas das ciências sociais existentes eram os da USP, UFRJ, UNB, UFPE e UFBA, sendo que os programas de doutorado, propriamente ditos, destes locais foram apenas criados em 1971, 1980, 1984, 1995 e 1999, respectivamente. O papel do I PNPG é, então, central neste processo pois, ao dar condições para a criação de programas de pós-graduação em ciências sociais no Brasil, passa a criar meios para que estudantes completassem todo o seu ciclo acadêmico no país. Os anos 1980 marcam justamente este momento de ruptura de um padrão de formação no exterior com a criação de programas de doutorado em várias instituições, processo que com forte crescimento até os anos 2000 (TRINDADE, 2007).
Algumas características podem ser observadas em se tratando dos países de destino dos mestrados e doutorados realizados pelos sociólogos brasileiros até o fim da ditadura militar. É possível notar a proeminência de Estados Unidos com 94 doutorados e mestrados somados, França com 89, Grã-Bretanha 29, Alemanha 17, México 14 e Bélgica 10, dentro do intervalo até 1985. Fica patente, consequentemente, a concentração do fluxo para os países com as principais tradições intelectuais aos quais a sociologia brasileira é comumente associada, América do Norte e Europa Ocidental. Ainda observando algumas características destes dados de destino observa-se que até o ano de 1976 os Estados Unidos são o principal destino de sociólogos brasileiros buscando formação em pós-graduação, sendo substituído pela França a partir do ano de 1977. A forte presença da França pode conter relação com a criação, em 1978, do Acordo Capes/Cofecub que firma a cooperação entre Brasil e França na formação de estudantes e passa a ser o mais bem estruturado programa de cooperação internacional para cientistas feio pela Capes deste então (AVEIRO, 2016; NUNES, 2006; SCHMIDT; MARTINS, 2005).
O período que compreende a ditadura militar brasileira tem dois padrões claramente identificáveis, no que diz respeito às fontes de financiamento para circulação internacional. É possível notar que do intervalo de 1953 a 1975 a Fundação Ford foi a principal fonte de financiamento de mestrados e doutorados no exterior pelos sociólogos brasileiros que integram a base, sendo a única com alguma frequência contínua neste período. Este primeiro intervalo pode ser caracterizado por uma pulverização de formas de financiamento dispersas e sem continuidade, como é o caso de algumas bolsas da CAPES, CNPQ, OEA, USAID e Ökumenisches Studienwerk. A partir de 1975 observa-se uma mudança de padrão de financiamento, com a emergência continuada de bolsas da CAPES e CNPQ, as quais passam a ser as principais fontes de recursos para financiamento de mestrado e doutorado de forma ininterrupta durante este período.
Destarte, os dados sobre os países de destino de sociólogos brasileiros, em seu processo de formação em nível de doutorado, podem ser explicados, ainda que em parte, pela conexão entre tais números e os tipos de financiamento para preparação de cientistas durante o intervalo analisado. A Fundação Ford tem importância histórica inegável na história das ciências sociais brasileiras, seja na promoção de bolsas ou mesmo no auxílio na construção e manutenção de instituições como o CPDOC na FGV do Rio de Janeiro, o IUPERJ, Museu Nacional do Rio de Janeiro, o PIMES/UFPE e o departamento de Ciência Política da Escola de Administração e Ciências Econômicas da UFMG(CANÊDO, 2018; MICELI; SMITH, 1993). A proeminência da Fundação Ford até meados de 1975 contribuiu diretamente para o fluxo direcionado aos Estados Unidos, ao passo que com a emergência, mais estruturada, das bolsas de agências brasileiras, Capes e CNPq, a quantidade de países destino ficou mais diversa. Neste segundo intervalo, pós 1975, um número maior de nações passa a compor o quadro de destino, apesar deste ficar circunscrito a algumas em regiões da Europa Ocidental que historicamente representam centros hegemônicos para o campo sociológico brasileiro, mais especificamente França, Grã-Bretanha e Alemanha. Contudo, é relevante pontuar a presença contínua do México a partir do ano de 1976, chegando a ser o terceiro principal destino de nossos sociólogos no exterior em anos como 1980. Este dado chama atenção por conta da baixa participação de outros países latino-americanos no intervalo observado.
IIUm dos elementos que complementam a questão do financiamento na conformação da circulação internacional de sociólogos brasileiros no período analisado é o papel repressor da ditadura militar e as trajetórias de fuga de militantes. Das 16 entrevistas com sociólogos analisadas, ao menos 7 apresentam relatos de repressão direta da ditadura sobre a vida dos entrevistados, com experiências que vão desde indiciamentos, atuação na clandestinidade, espionagem por parte do Estado, perda de amigos e a própria fuga. A ditadura certamente definiu as trajetórias de todos os intelectuais que estavam no país durante a vigência do regime, contudo, o estado de exceção influenciou mais diretamente alguns casos de circulação internacional. Entre estas destacam-se as experiências de Silke Weber, Simon Schwartzman, Glaucia Villas Boas, Dimas Floriani.
Ainda em relação com o papel da Ditadura Militar brasileira na diáspora de intelectuais fora do país é possível destacar o papel de bolsas de instituições religiosas como o Ökumenisches Studienwerk. Esta instituição, coordenada por Heinz Dressel, foi criada em 1972 pela Igreja Luterana Alemã, inicialmente com o foco na ajuda ao desenvolvimento de países mais pobres, e depois abarcando a temática da solidariedade a refugiados de regimes de exceção. A Obra Ecumênica de Estudos, como é chamada em português, teve como foco a promoção de bolsas de estudo para a formação de formação de “professores em nível de pós-graduação e permitiu a manutenção financeira e o prosseguimento dos estudos de diversos militantes políticos perseguidos pela ditadura civil-militar brasileira ou de pessoas sem perspectivas profissionais no Brasil” (RIBEIRO, 2020, p. 1). Entre os sociólogos com entrevistas analisadas nesta pesquisa e que fizeram parte do programa, destacam-se Glaucia Villas Boas e Clarissa Eckert.
IIIObservando este primeiro período de circulação internacional de sociólogos brasileiros, demarcado pelo intervalo até 1975 é possível extrair alguns elementos que singularizam o intervalo e suas formas típicas de ida ao exterior. Entre estes destaca-se o padrão de financiamento de baixa estruturação, o papel da repressão durante o período ditatorial e o acesso precário a mediadores pontuais.Primeiramente, este período pode ser caracterizado como um intervalo de proto-institucionalização em se tratando de meios de financiamento para formação no exterior. É possível notar que a pulverização de formas de subsídio a realização de mestrados e doutorados fora expressa em que medida este tipo de intercurso não tinha lastro institucional bem assentado na época, principalmente se pensado do ponto de vista da organização de agências nacionais, as quais, como a Capes e o CNPq, ainda eram bastante pequenas e não possuíam dotação orçamentária vultuosa para garantir a formação de quadros no exterior de modo sistêmico (FERREIRA; MOREIRA, 2002). Isto posto, as formas de financiamento acabam se expressando por meio de fontes pulverizadas do exterior como a Fundação Ford, a OEA e o Ökumenischen Studienwerk, as quais encontram-se entrelaçadas por interesses que envolvem desde a cooperação para o desenvolvimento até projetos filantrópicos ou mesmo em solidariedade a refugiados de regimes autoritários.
Além da segmentação de formas de financiamento escassas, destaca-se a influência direta da repressão do regime ditatorial sobre as trajetórias analisadas de forma a empurrar a busca ao exterior como meio de sobrevivência. Como foi possível observar, ainda que brevemente, nas trajetórias citadas, a repressão a militares, professores, instituições de ensino e pesquisa, por parte da ditadura militar influenciou os sociólogos em questão a buscarem formas de continuação de seus estudos no exterior, seja por fuga do regime, seja para buscar manutenção em países mais seguros enquanto ditadura brasileira endurecia. Por fim, é possível destacar como característica relevante do intervalo analisado o papel que o acesso a contatos mediados teve durante a garantia de bolsas de estudos para os estudantes. Em um cenário de difícil acesso a financiamento, na ausência de uma estrutura consolidada de bolsas para formação no exterior, é possível notar a importância que mediadores pontuais tiveram na garantia do acesso a recursos aos participantes. Nos relatos colhidos nas entrevistas, que muitas vezes beiram situações inesperadas, laços de solidariedade, ou mesmo atos heroicos e de redenção, é possível observar que o acesso a determinadas redes frágeis de contatos permitiu seja a garantia a bolsas para estudos no exterior, ou a permanência neste a partir de redes de solidariedade e ajuda mútua. Isto expressa em que medida é típico da forma de circulação internacional deste período o recurso a redes precárias, de baixa institucionalização, mas fundamentais para a manutenção e realização da carreira.
Conclusiones:
A partir do trabalho realizado neste artigo foi possível traçar em linhas gerais algumas características das formas de circulação internacional de sociólogos brasileiros durante a primeira metade da ditadura militar brasileira. Antes da criação do I PNPG e do fortalecimento de agências de financiamento de bolsas de estudo internacionais é possível notar que o número de sociólogos formados no Brasil e no exterior possui patamares similares, o que passa a se modificar após os anos 1980. Além disso é possível observar que o fluxo de sociólogos em busca de formação acadêmica, durante o período da ditadura militar como um todo, correu para os países de maior prestígio acadêmico para as ciências sociais brasileiras contemporâneas: Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Alemanha. Contudo a presença do México mostra-se relevante durante os anos 1970 e 1980.
Encontram-se evidências razoáveis para creditar à proeminência dos Estados Unidos enquanto principal destino até 1975 ao papel da Fundação Ford como único financiador razoavelmente contínuo, processo que vem a ser substituído pela liderança francesa na segunda fase da ditadura militar, o que é concomitante, e pode ter relação, com a criação do programa Cafes-Cofecub em 1978. Além disso verificou-se que o papel repressor da ditadura militar foi crucial para explicar o fluxo de sociólogos ao exterior, ou a sua permanência neste, durante a primeira metade do regime. Este ponto fica evidente ao se analisar as trajetórias narradas por intelectuais que passaram por trânsito durante este período. Neste contexto, o papel de bolsas da Fundação Ford foi central, em complemento a outras fontes dispersas de financiamento, dentre as quais pode-se destacar o Ökumenischen Studienwerk.
Por fim, pode-se mencionar o papel de redes de mediadores para a viabilização da circulação internacional durante este período de baixa institucionalização das agências nacionais de fomento à ciência. Esta fase, que vai até o ano de 1975, distingue-se do intervalo seguinte (1976-1985) com a maior institucionalização da Capes e do CNPq, aumento do fomento do governo brasileiro para a capacitação de cientistas no exterior, e diminuição do papel de redes de contatos para acessar meios de circulação.
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Palabras clave:
Geopolítica do Conhecimento; Circulação Internacional; Sociologia da Sociologia; História das Ciências Sociais; Ditadura Militar.