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Resumen de la Ponencia:
Este artigo inscreve-se no campo das discussões sobre o processo de ensino-aprendizagem no contexto da alfabetização de crianças e de forma específica sobre o lugar que nela têm os desafios acometidos a esse processo em decorrência da crise sanitária causada pela pandemia do vírus SARS-Cov-2, nos anos de 2020 e 2021. Tem por objetivo situar quais são os desafios apontados no processo de alfabetização de crianças nos estudos recentemente discutidos no âmbito da ANPED, em sua 40ª Reunião Nacional. Ancora-se no conceito defendido por Magda Soares (2004) da alfabetização como “[...] a ação de ensinar e aprender a ler e escrever”. Vincula-se à perspectiva metodológica da pesquisa bibliográfica baseada, conforme Prodanov e Freitas (2013), na tomada de conhecimento do que já está publicado sobre o assunto estudado e, portanto, apresenta as discussões e reflexões a partir do mapeamento das publicações nos seguintes grupos de trabalhos: GT07 - Educação de Crianças de 0 a 6 anos, GT10 - Alfabetização, Leitura e Escrita, e GT13 - Educação Fundamental. O mapeamento reuniu um total de 122 artigos científicos, dos quais, apenas 15 deles discutiam algum aspecto referente a alfabetização de crianças no cenário da pandemia, dentro do recorte temporal mencionado. A análise dos estudos mapeados aponta recorrências no tocante aos desafios vivenciados durante a pandemia para a manutenção do processo de alfabetização de crianças, dentre as quais: o distanciamento social, a escassez da ludicidade, a falta de acesso à internet e aos equipamentos eletrônicos para o contato virtual, o alcance (in)adequado às atividades pelas crianças, e o ensino remoto. Como achado, a análise realizada indica que além de desvelarem os imensos desafios acometidos à alfabetização de crianças durante a pandemia da Covid-19, as pesquisas mapeadas pontuam também indícios de variadas tentativas, por parte de professores e também das equipes municipais de educação, para efetivarem a manutenção do processo de ensino-aprendizagem e de práticas de alfabetização das maneiras mais constantes e facilitadoras possíveis, tanto para as crianças como para suas famílias, que foram fundamental e ativamente envolvidas, (co)participantes nas atividades relacionadas à alfabetização das crianças no cenário do distanciamento social. Essas tentativas oscilam entre os usos de diferentes aplicativos até a criação de grupos de apoio com a prioridade de aproximação, mesmo que remota, entre as crianças, suas famílias e a escola. Contudo, apesar de todos os esforços pontuados por parte dos envolvidos no processo de alfabetização das crianças, este estudo conclui-se com um questionamento que, possivelmente, poderá fomentar a tessitura de outros: Diante dos desafios da crise sanitária e das possíveis “dificuldades e atrasos” deixados como sequelas dessa pandemia no processo de alfabetização das crianças no biênio 2020/2021, como tais sequelas poderão se manifestar futuramente na formação dessas crianças?
Introducción:
INTRODUÇÃO
Este artigo inscreve-se no campo das discussões sobre o processo de ensino-aprendizagem no contexto da alfabetização de crianças e de forma específica sobre o lugar que nela têm os desafios acometidos a esse processo em decorrência da crise sanitária causada pela pandemia do vírus SARS-Cov-2, nos anos de 2020 e 2021.
Neste estudo, consideramos a alfabetização de crianças como um processo complexo e permeado por diversas relações, as quais constituem a parceria necessária entre os sujeitos, os conflitos cognitivos e o conhecimento. Constituir-se primordialmente do estabelecimento de relações é, talvez, acima de qualquer outra, a característica mais complexa que esse processo venha a ter. Dito isto, consideramos que o processo de alfabetização de crianças prescinde construções de cunho coletivo e também individual, visto que sua tessitura se dá nas/das relações estudante/professor/conhecimento mediante as tensões contextuais e do desenvolvimento/amadurecimento das habilidades cognitivas dos aprendizes.
Tendo em conta que a alfabetização se trata de um processo de ampla complexidade, independente de qual seja o sujeito envolvido – professor ou estudante – entendemos que a aproximação, a afetividade, a parceria e o acompanhamento de todas as atividades inerentes a esse processo são de extrema relevância para que este tenha um desenvolvimento exitoso.
Contudo, diante do contexto pandêmico nos referidos anos, o estabelecimento das relações oriundas do universo escolar sofreu um imenso impacto causado pela necessária ocasião do distanciamento social. O que também impactou de modo a comprometer o processo de alfabetização de crianças, visto que houve a suspensão das atividades presenciais e que a tentativa de suprir a continuidade dos processos de ensino/aprendizagem através do ensino remoto parece não ter tido êxito na alfabetização de crianças.
Nesse ínterim, estudos foram realizados e relatam diversas vivências na realidade educacional no tocante ao processo de alfabetização de crianças. Contudo, vale destacar que tais estudos não desnudam a realidade em sua completude, mas captam e desvelam dilemas pontuais, de modo a revelar recorrências nos desafios enfrentados diante do contexto da pandemia da Covid-19 no Brasil.
De fato, o que os recentes estudos parecem nos revelar é que os desafios encontrados no processo de alfabetização foram/estão sendo enfrentados de diferentes modos e que seus impactos causaram possíveis sequelas, as quais suscitam mudanças visando à recuperação das aprendizagens que não puderam acontecer no momento adequado.
Esta pesquisa tem por objetivo geral situar quais são os desafios apontados no processo de alfabetização de crianças nos estudos recentemente discutidos no âmbito da ANPED (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação), em sua 40ª Reunião Nacional.
Para tanto, pretende especificamente: Mapear os estudos sobre a alfabetização de crianças, recentemente discutidos no âmbito dos Grupos de Trabalhos (GT) 07, 10 e 13 da ANPED, e pontuar quais são os desafios apontados nesses estudos sobre a alfabetização de crianças no contexto pandêmico, no biênio 2020/2021.
Desarrollo:
REFERENCIAL TEÓRICO
Este estudo ancora-se no conceito defendido por Magda Soares (2004) da alfabetização como “[...] a ação de ensinar e aprender a ler e escrever”. Diante disso, damos ênfase ao entendimento de que o processo de alfabetização não se resume a uma simples aplicação de um ou outro método, mas se refere a um complexo processo que inclui um conjunto de relações em desenvolvimento. Relações com o outro, com o meio e, também, de amadurecimento de habilidades cognitivas individuais.
Tendo em conta que no centro dessa teia de relações chamada processo de alfabetização está o desenvolvimento das habilidades cognitivas pelo sujeito - no caso deste estudo nos referimos à criança - consideramos, assim como a referida autora, que “alfabetizar significa adquirir a habilidade de codificar a língua oral em língua escrita (escrever) e de decodificar a língua escrita em oral (ler)” (Soares, 1985, p. 3). Processo esse que, como mencionado, requer centralidade ao se inserir numa multiplicidade de relações.
Como visto, aprender a ler e escrever passa por uma constância de amadurecimento que leva ao desenvolvimento de habilidades cognitivas pela criança. Por assim dizer, a alfabetização é um processo que conta com as relações entre sujeitos: estudante/professor/estudante e que coloca o sujeito aprendiz no centro dessas relações. Desse modo, neste estudo, entendemos as crianças como:
[...] sujeitos produtores de conhecimentos e não apenas como receptores passivos que aprendem por meio da repetição e consequente memorização. Por isso, [...] a construção de conhecimentos pelos sujeitos aprendizes ocorre por meio de conflitos cognitivos que força os seus esquemas assimiladores realizando novas acomodações (Ferreiro & Teberosky, 1999, p. 34).
Enquanto sujeitos ativos, seres pensantes, produtores de cultura e, portanto, de conhecimentos, as crianças estão inseridas num processo de aprendizagem que também as permite ensinar, inclusive ensinar ao professor sobre o modo como aprendem. Nesse movimento, a alfabetização requer parceria entre os sujeitos envolvidos no processo de tal forma que juntos superem as dificuldades e conflitos cognitivos que são da natureza desse desenvolvimento. Portanto, trata-se de uma parceria onde todos ganham em todos os aspectos, pois ao passo que aprendem/ensinam e agregam experiências as suas vidas.
No tocante às experiências acrescidas na vida dos sujeitos, vale ressaltar que a alfabetização trata-se ainda de um processo composto, ou seja, não acontece sozinho, isolado, mas seu desenvolvimento ocorre de modo concomitante ao letramento. Conforme Magda Soares (2001):
O letramento, é o uso que se faz da língua escrita com toda sua complexidade, em práticas sociais de leitura e escrita, é aquele indivíduo que sabe ler e escrever, e que usa socialmente a leitura e a escrita, que pratica e responde adequadamente às demandas sociais (Soares, 2001, p. 39-40).
Sendo assim, as experiências que as crianças vivenciam na sociedade fazendo uso da leitura e da escrita dar-lhes o letramento. Os usos são os mais variados e podem ocorrer em inúmeras situações no cotidiano e, portanto, vão requerer do sujeito alfabetizado/letrado o domínio de habilidades cognitivas das quais lançarão mão para poder se comunicar e compreender as diversas mensagens com as quais irão lidar.
Nesse contexto, Soares (2004) explica que a alfabetização na perspectiva do letramento propicia um passo além, pois “[...] é estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita” (p. 47). Desse modo, a criança alfabetizada mediante a perspectiva do letramento domina não apenas os processos cognitivos de codificação e decodificação, ou transformação da língua falada na língua escrita e vice-versa, mas, para além disso, domina o uso da escrita e da leitura nas práticas sociais.
APORTE METODOLÓGICO
Este estudo vincula-se à perspectiva metodológica da pesquisa bibliográfica baseada, conforme Prodanov e Freitas (2013), na tomada de conhecimento do que já está publicado sobre o assunto estudado. Assim, esta pesquisa se empenha em reunir estudos que abordam discussões e reflexões acerca do tema proposto, de modo a desvelar os possíveis desafios vivenciados no processo de alfabetização de crianças no biênio 2020/2021.
Nesta tônica, esta pesquisa se alinha ao pensamento de Fonseca (2002), quando explica:
A pesquisa bibliográfica é feita a partir do levantamento de referências teóricas já analisadas, e publicadas por meios escritos e eletrônicos, como livros, artigos científicos, páginas de web sites. Qualquer trabalho científico inicia-se com uma pesquisa bibliográfica, que permite ao pesquisador conhecer o que já se estudou sobre o assunto. Existem, porém, pesquisas científicas que se baseiam unicamente na pesquisa bibliográfica, procurando referências teóricas publicadas com o objetivo de recolher informações ou conhecimentos prévios sobre o problema a respeito do qual se procura a resposta (p. 32).
Portanto, este trabalho apresenta as discussões e reflexões a partir do mapeamento das publicações nos seguintes grupos de trabalhos: GT07 - Educação de Crianças de 0 a 6 anos, GT10 - Alfabetização, Leitura e Escrita, e GT13 - Educação Fundamental, da 40ª Reunião Nacional da ANPED.
Salientamos que a escolha da ANPED se deu por o considerarmos um importante lócus nacional de discussões acadêmicas sobre Educação no Brasil. Além disso, sua 40ª reunião ocorreu durante a Pandemia da Covid-19. Quanto aos GTs, destacamos que suas escolhas se justificam pelo seguinte: GT 07 – Educação de Crianças de 0 a 6 Anos: Grupo de Trabalho que, mesmo sendo voltado para a Educação Infantil poderia apresentar pesquisas que se remetessem ao assunto estudado, visto que aborda o processo adaptativo/formativo de crianças; GT 10 – Alfabetização, Leitura e Escrita: Grupo de Trabalho no qual são apresentadas e discutidas pesquisas que tratam especificamente do assunto em estudo, pois explora o processo de alfabetização de modo geral e GT 13 – Educação Fundamental: Grupo de Trabalho no qual são abordadas pesquisas que tratam especificamente do nível de ensino no qual ocorre o processo de alfabetização de crianças, dado que tal processo deve ser consolidado até o 3º ano do Ensino Fundamental.
O MAPEAMENTO
O mapeamento reuniu um total de 122 artigos científicos, dos quais, somente 15 deles discutiam algum aspecto referente à alfabetização de crianças no cenário da pandemia, dentro do recorte temporal mencionado. Desses 15 trabalhos, apenas 5 deles atenderam totalmente aos critérios estabelecidos, que eram: 1 - Discutir sobre algum aspecto do processo de alfabetização; 2 - Se referir ao processo de alfabetização de crianças; 3 - Tratar da alfabetização de crianças mediante o contexto da pandemia da Covid-19.
Os 5 trabalhos que atenderam aos critérios e, portanto, foram selecionados, estão organizados na tabela a seguir, a qual reúne algumas informações iniciais sobre cada um deles:
Tabela 1 – Estudos selecionados
Título
Autor(es)
Instituição
GT
Ano
01
A Alfabetização e o Ensino Remoto Emergencial: As (Im) Possibilidades do Trabalho Pedagógico
Elvira Cristina Martins Tassoni.
PUC/CAMP
10
2021
02
Alfabetização na Pandemia: Desafios Apontados por Professoras
Cancionila Janzkovski Cardoso; Sandra Regina Franciscatto Bertoldo; Silvia de Fátima Pilegi Rodrigues.
UFMT
10
2021
03
Alfabetização e Leitura Literária: Tempos de Pandemia e Ensino Remoto
Maria do Socorro Alencar Nunes Macedo; Marilia Forgearine Nunes; Rosa Maria Hessel Silveira.
UFJF; UFRGS
10
2021
04
As Intervenções Didáticas das Professoras Alfabetizadoras em Contextos de Ensino Remoto
Mariana Santos de Jesus; Cláudia Da Hora Souza; Giovana Cristina Zen.
UFBA
10
2021
05
Conhecimentos e Estratégias Didáticas para Alfabetização no Ensino Remoto: Uma Análise a partir os Grupos Focais da Pesquisa Alfabetização em Rede
Renata Sperrhake; Luciana Piccoli; Sandra Dos Andrade.
UFRGS
10
2021
Fonte: A autora, 2022.
Como nota-se na tabela acima, todos os artigos selecionados foram discutidos no GT 10 – Alfabetização, Leitura e Escrita. Acreditamos que isso ocorreu pelo fato de que o referido Grupo de Trabalhos concentrou um maior número de estudos que discutiam a temática da alfabetização de crianças, dos quais, portanto, atenderam mais recorrentemente aos critérios previamente estabelecidos para o mapeamento que constituiu este estudo.
A análise desses estudos mapeados aponta recorrências no tocante aos desafios vivenciados durante a pandemia para a manutenção do processo de alfabetização de crianças. Os desafios apontados em tais estudos serão apresentados conforme foram abordados nos referidos trabalhos, no tópico a seguir.
A ANÁLISE
Os estudos mapeados evidenciam vários desafios vivenciados na realidade educacional no Brasil durante o período pesquisado. Contudo, aqui damos ênfase àqueles que desvelam especificamente fatores que implicaram em dificuldades no processo de alfabetização das crianças. Dito isto, dialogamos com os estudos mapeados, como o de Cardoso et al (2021), quando explicam que:
Em 2020 a pandemia desencadeada pela disseminação do vírus Sars-CoV-2 afetou toda a sociedade e, consequentemente, a educação. Uma das ações emergenciais tomadas pelos governos do mundo todo foi o fechamento das escolas em meados de março. Essa ação deslocou as rotinas escolares para o ambiente doméstico, na maioria das vezes, sem condições estruturais mínimas para isso, e levou professores a buscarem alternativas - também em caráter emergencial - para dar continuidade aos processos de ensino em espaços informais (p. 1).
Em conformidade com o dito acima, Tassoni (2021), acrescenta uma leitura da realidade da pandemia da Covid-19 ampliando o olhar para a situação vivenciada na Educação no mundo, explicando que:
As escolas no mundo inteiro fecharam as portas diante da dolorosa experiência da pandemia de COVID-19, imposta pelo coronavírus SARS-CoV-2 (Severe acute respiratory syndrome coronavirus 2). No Brasil, desde o mês de março de 2020, as aulas presenciais em todas as instituições de ensino foram interrompidas e a regulamentação para a substituição por aulas não presenciais veio em caráter emergencial (p. 1).
Com o fechamento das escolas veio, talvez, o maior dos desafios: o distanciamento social. Tanto para os professores como para as crianças, principais sujeitos envolvidos no processo de alfabetização. O fato de não poderem se aproximar e realizarem juntos aquela dinâmica de relações tão corriqueira provocou um grande impacto no âmago desse processo. Nesse contexto, Cardoso et al (2021), nos explicam que:
Na pandemia, a interação sofreu profunda mudança: a professora que presencialmente, numa mirada só, avaliava quem estava acompanhando as explicações, disperso, com dificuldade em resolver ou já concluíra as tarefas, precisou adaptar seu planejamento para o ensino remoto. Nesse contexto, a docente se viu na emergência de implementar estratégias de interação envolvendo aulas síncronas, via câmeras de celulares ou computadores, e assíncronas, em que vídeos com explicações, leituras, histórias e tarefas são enviados a alunos e/ou familiares assistirem quando e se tivessem condições. Ou, ainda, tarefas escritas são enviadas para que sejam resolvidas em casa, contando com a sorte de ter alguma pessoa disponível para orientação dos pequenos. O grupo de alunos fragmentou-se, a visão de conjunto da turma esfacelou-se, a interação mudou de configuração (p. 2, 2021).
Enfrentar o novo já é por si só, um desafio, sobretudo, quando esse novo acontece de modo tão inesperado, doloroso e traumatizante, em muitos casos, como foi a pandemia em seu auge aqui no Brasil nos anos de 2020 e 2021. Como vimos, os desafios não foram nenhum pouco dribláveis, pois o momento vivenciado exigiu mudanças de comportamentos e hábitos de longa data.
O distanciamento social e implementação do ensino remoto mostraram ainda mais o abismo cultural, econômico e social extremamente arraigado na realidade da maioria da população brasileira. Isso fica evidenciado nas pesquisas analisadas, como a de Tassoni (2021), ao esclarecer que:
Os desafios diante do ensino remoto emergencial foram imensos e escancaram as enormes desigualdades sociais do nosso país. Lamentavelmente, houve crianças e famílias que ficaram completamente sem contato com seus professores por mais de um ano. Por outro lado, a experiência vivida mostrou que a tecnologia é uma aliada e pode contribuir muito para as significações construídas nas relações entre as crianças e a linguagem escrita (p. 5).
Um novo indiscutivelmente estranho aos nossos hábitos cotidianos, especialmente no campo da Educação, que trouxe momentos de grandes tensões e reflexões. Diante desse novo carregado de imposições e limitações, problemáticas nunca antes pensadas vieram à tona, por exemplo: Como alfabetizar as crianças imersas nesse processo, dado o distanciamento social? De que modo o professorado poderá fazer as proposições e intervenções necessárias para a condução desse processo? Que meios poderão ser usados para a comunicação diária e tão necessária entre os professores e as crianças, enquanto principais sujeitos envolvidos nesse processo? Perguntas como essas e tantas outras parecem ter surgido de repente e exigiam, imediatamente, respostas que indicassem possibilidades para a manutenção do processo de alfabetização das crianças.
Mesmo diante dessa ebulição de questionamentos tão urgentes, não se podia perder a consciência de que “A alfabetização é uma etapa desafiadora e exige práticas pedagógicas atentas à criança em seu contexto e necessidades de aprendizagem e, portanto, carece da intervenção efetiva doprofessor, ainda que a família acompanhe” (Cardoso et al, p. 5-6, 2021). Portanto, aquela situação de emergência educacional havia suscitado o fazer diferenciado do profissional professor juntamente com práticas reflexivas por parte deste e, também, de toda a escola.
Nesse contexto, os estudos mapeados e analisados nos revelam que o professor foi levado a “agir na urgência e decidir na incerteza” (Perrenoud, 2001) na tentativa de refletir sobre aquela realidade na qual estava inserido e, mesmo naqueles momentos de tensão e insegurança, precisou planejar e realizar um trabalho diferenciado buscando atender as necessidades inerentes ao processo de alfabetização das crianças.
Nessa busca emergente, que se fez urgentíssima, “Os desafios para se estabelecer um trabalho pedagógico de forma remota foram enormes como confirma a pesquisa TIC-Educação 2019, entre os meses de agosto enovembro de 2019, período anterior ao fechamento das escolas.” (Tassoni, p. 3, 2021). Os professores foram submergidos na interatividade, tentando encontrar, nos diversos caminhos que as tecnologias poderiam oferecer, um “atalho” para manter a comunicação com os estudantes de suas turmas e seus familiares. Diante disso, vale ressaltar, conforme mostrado nos estudos, o fato de que:
É inegável o esforço feito pelos professores em diferentes espaços e por diferentes meios para garantir aos estudantes o acesso ao conhecimento historicamente construído pela humanidade. A alfabetização é sem dúvida o mais escolar de todos os conhecimentos historicamente construídos e compreendemos que deve servir como passaporte para o ingresso do sujeito, como protagonista, nas culturas escritas.” (Jesus et al, p. 2, 2021).
Contudo, também é inegável que muitos dos esforços empreendidos pelo professorado e equipes educacionais, em muitos casos, encontraram grandes obstáculos. A realidade financeira, por exemplo, foi um enorme empecilho na experiência de muitos dos sujeitos envolvidos no processo de alfabetização das crianças, especialmente das famílias, como nos revela o estudo de Cardoso et al (2021), ao mostrar que:
Um fator que aprofunda a exclusão digital e agrava as precárias condições de ensino e aprendizagem é o impacto financeiro da pandemia em milhares de lares, privando homens e mulheres de manterem a alimentação básica, aluguel e outras necessidades mínimas. Em tais condições, a aquisição de equipamentos e internet (requisitos básicos para o ensino online) são impensáveis (Cardoso et al, p. 6, 2021).
Além da impossibilidade de aquisição de ferramentas tecnológicas, outro imenso obstáculo revelado foi a própria conectividade. Nesse caso, os professores parecem ter conseguido driblar alguns fatores e, com criatividade, foram mantendo a comunicação com as crianças. Nessa situação,
Diante das condições (im) postas não somente frente à crise sanitária, mas às precárias possibilidades de conectividade e interatividade, as professoras foram relatando os caminhos encontrados para realizarem seu trabalho junto às crianças. Gravam áudios pelo WhatsApp ou vídeos pelo You Tube para oferecer as explicações sobre as atividades impressas organizadas em kits disponíveis para retirada na escola. As dúvidas eram discutidas via WhatsApp (Tassoni, p. 3, 2021).
Mesmo estando diante de tantas novidades e dificuldades que emergiram com o assolamento da pandemia, o foco de todas as tentativas era a continuidade do processo de alfabetização das crianças, mesmo que precário, se comparado ao ensino presencial. Desse modo, os professores “Buscam essas interações diretas, por meio dos recursos que dispõem, a exemplo do whatsapp, por não acreditarem ser possível alfabetizar sem contato direto com os aprendizes.” (Jesus et al, p. 5, 2021).
Os estudos analisados também revelam, recorrentemente, o entendimento do processo de alfabetização de crianças como um processo dialógico e constituído pelo estabelecimento de relações afetivas e do estabelecimento e superação de conflitos cognitivos pelos aprendizes. Assim, destacam que:
Tratando-se de crianças em processo de alfabetização, que necessitam de acompanhamento para a realização de tarefas, dados tão precários da devolutiva das atividades propostas levam-nos a problematizar como se daria essa alfabetização sem interação professora-alunos e alunos-alunos (Cardoso et al, p. 5, 2021).
Diante disso, os professores tendem a dar destaque a algumas dificuldades em detrimento de outras. Dentre tais dificuldades, destaca-se, por exemplo, a sistematização dos conhecimentos em construção pelas crianças, a falta de concentração e o acompanhamento das atividades ou retorno delas aos professores. Nessa tônica:
Uma dificuldade apontada pelas professoras está vinculada às propostas de sistematização dos conhecimentos. [...] As propostas envolvendo a sistematização demandam maior concentração da criança e compreensão das famílias sobre o que deve ser feito, fatores esses que também podem dificultar a realização dessa tarefa no ambiente doméstico (Sperrhake et al, p. 4, 2021).
É notório que houve uma corrente de esforços, especialmente por parte dos professores, esforços esses que nem sempre foram exitosos visto que havia uma gama de fatores dificultando a comunicação entre professores e estudantes. Assim, em muitas realidades, as atividades planejadas não chegavam às crianças, fosse por caminho digital ou físico e, em outros casos, quando elas chegavam, não retornavam aos professores que perdiam a linha do acompanhamento. Nessa mesma perspectiva, outros estudos reafirmam:
Os dados analisados evidenciam desafios no processo de ensinar e aprender e os fatores se entrelaçam, visto que a interação passa a ser mediada por equipamentos digitais (nem sempre presentes ou condizentes com as necessidades), a dependência do apoio de familiares (muitas vezes sem condições de prestar auxílio devido à falta de tempo, conhecimentos e/ou habilidades) e o próprio desempenho docente (impelido a aprender e viabilizar uma prática que oportunize a aprendizagem dos estudantes em um contexto de emergência e com dificuldades de toda ordem, como o domínio tecnológico e infraestrutura em seu ambiente doméstico, que se confunde com o espaço de trabalho) (Cardoso et al, p. 7, 2021).
Diante do distanciamento social, as famílias receberam a incumbência do auxilio as crianças no desenvolvimento das atividades que chegavam, fosse via meios tecnológicos ou em formato de blocos de atividades. “É notório que as atividades de alfabetização demandam apoio familiar e, quando feitas remotamente, exigem ainda mais auxílio, já que as crianças estão iniciando esse processo.” (Cardoso et al, p. 5, 2021). Exigências essas que, nem sempre, têm condições de atendimento pelas famílias.
Conforme mostrado nos estudos analisados, o ensino remoto representou um grande desafio no processo de alfabetização de crianças durante o período pandêmico estudado. Apesar de ter sido visto como uma viável solução para aquele momento, o ensino remoto desnudou alguns aspectos que precisavam ser reconsiderados: a falta de acesso e a inexperiência ou desconhecimento do uso de aparatos tecnológicos tanto por alguns professores quanto por estudantes e seus familiares. Além do mais, o ensino remoto, mesmo sendo uma tentativa plausível para o momento, não conseguiu de fato prover a interação necessária entre os sujeitos envolvidos no processo de alfabetização.
A partir disso, podemos inferir que o ensino remoto limita os conhecimentos da alfabetização que são efetivamente desenvolvidos com as crianças, uma vez que a falta de interação entre professora e alunos dificulta que outros conhecimentos possam ser acionados. Apesar dos esforços já empreendidos, as docentes mostram-se preocupadas com a aprendizagem das crianças e buscam formas de minimizar as perdas ocasionadas pela situação contingente do ensino remoto (Sperrhake et al, p. 6, 2021).
Outro desafio recorrente nos estudos mapeados foi demostrado por professores em relação às vivências lúdicas, as quais se fazem presentes no cotidiano da sala de aula e da escola no ensino presencial. De início, os estudos nos permitem entender que a não presencialidade comprometeu essas vivências, mas que, posteriormente, os professores foram criando estratégias para proporcionar momentos lúdicos às crianças através de vídeos com músicas, brincadeiras, jogos e outras possibilidades. Desse modo:
A estratégia didática de utilização de recursos com viés mais lúdico na alfabetização é recorrente no ensino presencial e encontra possibilidade de adaptação para o ensino remoto, envolvendo também a família. A não presencialidade, pelos relatos das professoras, não as impede de propor jogos e brincadeiras envolvendo conhecimentos da alfabetização (Sperrhake et al, p. 4, 2021).
Conforme vimos, os trabalhos mapeados e analisados nos permitiram olhar para o tema da alfabetização de crianças possibilitando-nos perceber elementos e fatores relevantes no processo de alfabetização mediante o enfrentamento do contexto pandêmico. Contudo, apesar de muitas tentativas plausíveis e necessárias para driblar e superar dificuldades nesse enfrentamento, esses estudos “[...] mostraram que houve perdas importantes, pois, o espaço escolar é insubstituível na vida das crianças.” (Tassoni, p. 5, 2021).
Vale ainda destacar que, apesar de todos os desafios acarretados pela pandemia da Covid-19 no âmbito educacional, todos os estudos mapeados, selecionados e analisados abordaram o processo de alfabetização de crianças pela via do olhar de professores. É curioso que, mesmo sabendo-se que a criança é considerada o sujeito que está no centro do processo de ensino-aprendizagem e, portanto, do processo de alfabetização, nenhum estudo publicado no lócus pesquisado optou por investigar a visão de crianças sobre como foi estudar mediante o contexto pandêmico. Acreditamos que isso se deu, talvez, devido às impossibilidades de interação e comunicação com as próprias crianças, visto que elas estavam temporariamente afastadas do ambiente escolar.
Conclusiones:
RESULTADOS E ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Na busca por situar os desafios apontados no processo de alfabetização de crianças nos estudos recentemente discutidos no âmbito da ANPED, em sua 40ª Reunião Nacional, este estudo destaca que a análise dos trabalhos mapeados aponta recorrências no tocante aos desafios vivenciados durante a pandemia para a manutenção do processo de alfabetização de crianças, dentre as quais estão principalmente: o distanciamento social, a escassez da ludicidade, a falta de acesso à internet e aos equipamentos eletrônicos para o contato virtual, o alcance (in)adequado às atividades pelas crianças e o ensino remoto.
Como achado, a análise realizada indica que além de desvelarem os imensos desafios acometidos à alfabetização de crianças durante a pandemia da Covid-19, as pesquisas mapeadas pontuam também indícios de variadas tentativas, por parte de professores e também das equipes municipais de educação, para efetivarem a manutenção do processo de ensino-aprendizagem e de práticas de alfabetização das maneiras mais constantes e facilitadoras possíveis, tanto para as crianças como para suas famílias, que foram fundamental e ativamente envolvidas, (co)participantes nas atividades relacionadas à alfabetização das crianças no cenário do distanciamento social. Essas tentativas oscilam entre os usos de diferentes aplicativos até a criação de grupos de apoio com a prioridade de aproximação, mesmo que remota, entre as crianças, suas famílias e a escola.
Contudo, apesar de todos os esforços pontuados por parte dos envolvidos no processo de alfabetização das crianças, este estudo conclui-se com um questionamento que, possivelmente, poderá fomentar a tessitura de outros: Diante dos desafios da crise sanitária e das possíveis “dificuldades e atrasos” deixados como sequelas dessa pandemia no processo de alfabetização das crianças no biênio 2020/2021, como tais sequelas poderão se manifestar futuramente na formação dessas crianças?
Bibliografía:
REFERÊNCIAS
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Palabras clave:
Alfabetização; Desafios; Pandemia.